quinta-feira, 31 de março de 2011

“O OUTRO...”

(La reproduction interdite, 1937)
Réné Magritte

Por Edi Roque
Seu nome era Edgar, como seu maior ídolo, Allan Poe, e lecionar era o seu ofício. Sabe-se que já não o fazia com o mesmo prazer de antes. Ao contrário, por vezes, encarava sua tarefa como uma sentença, um castigo divino acerca de seu próprio saber.
Seus pensamentos muitas vezes vagavam livres enquanto seu corpo físico estava ali, preso junto a um grupo de pessoas na mesma situação. A única diferença era que ele, na maioria do tempo, ficava em pé tornando a sua “separação do corpo” mais dificultosa, pois ainda assim, precisava manter sua postura e preservar o mínimo de respeito que ainda lhe restava perante seus alunos.
Porém, aquela noite carregava algo diferente no ar. Um clima tipicamente Londrino, apesar de incomum nessa época do ano e região, tomou conta da cidade. A forte neblina tornava uma simples caminhada nas ruas em uma aventura (salvo as proporções) Homérica. A cada passo era revelado um novo cenário ou um novo obstáculo onde, embalado pelo ritmo da caminhada, muitas vezes era impossível de se esquivar. O chão úmido e escorregadio fechava o “pacote” de maneira magistral. Certamente, nem o mais assustador trem-fantasma criado pelo homem se compararia com tal perfeição a essa obra da mãe-natureza.
Com certa dose de cuidado, conseguiu o professor chegar à escola sem adquirir muitas escoriações pelo caminho. Como de costume, chegou mais cedo e pôs-se a escrever no quadro negro enquanto os alunos pouco a pouco se acomodavam nas poucas cadeiras disponíveis já em posição de cochilo. Professor e alunos compartilhavam com desgosto algumas caixas de papelão e demais objetos decorrentes de uma reforma mal administrada, amontoados nos cantos da pequena sala.
Subitamente, o silêncio tomou conta da sala. Em uma noite normal, seria possível ouvir o ronco contido de um aluno menos interessado em literatura. Mas naquela noite, um ar frio e denso entrou pela porta como sopro que congela não só o corpo, mas também o espírito.
Tal silêncio parecia envolver o mundo inteiro, dentro e fora da escola. Tudo estava mudo. Seus ouvidos estavam tão abafados que podia sentir pulsar dentro de sua cabeça as batidas do seu coração, fortes e cadenciadas como a “Sonata ao Luar” de Beethoven.  Imaginando ser o último ser vivo na face da Terra, Edgar virou lentamente para trás e deparou-se horrorizado com “ele”. Vestindo uma capa longa que mais pareciam asas negras de um pássaro da morte, lá estava “ele”, no último dia de aula, ao fundo da sala, em pé, simplesmente a lhe encarar.
Quem é este? Pensou. De onde surgiu? A que veio? Todos os músculos de seu corpo se enrijeceram e sua respiração tornou-se ofegante. Simplesmente não conseguia encarar aquele homem misterioso que permanecia ali como se o desafiasse a olhar nos olhos ou como se estivesse esperando uma ordem dos céus ou do inferno para ceifar-lhe a alma.
Amigos vão-se embora, este ser também há de ir, pensou o professor numa tentativa inútil de reunir forças e tomar alguma atitude, ainda que fosse a fuga. Mas seus pés o traíram e lá ficou, estático, pálido e totalmente dominado por aquele anjo negro que também permanecia imóvel e indiferente ao seu terror.
O mais agonizante de tudo era o fato de que ninguém parecia notar a presença daquele homem ao fundo da sala e ninguém se preocupou em ver o professor ali parado, trêmulo e sem reação. Em seus pensamentos, rapidamente analisou que, por se tratar de um espírito, somente as pessoas marcadas para morrer é que poderiam enxergá-lo e isso o fez sentir um nó na garganta e o desespero em imaginar uma vida inteira pela frente que seria ali interrompida contra sua vontade.
Ainda tenho tanto a fazer. Isso não é justo. Deus, por quê está fazendo isso comigo? Sequer tinha forças para balbuciar tais pensamentos. Dizem, nesses momentos, um filme passa em nossas mentes, mas a única lembrança do professor era a sua vida inútil. Perdera todo o seu tempo vivendo sozinho e infeliz, em meio a livros cheirando mofo enquanto dividia o silêncio de sua rotina tediosa com um gato tão soturno quanto ele. Aliás, o gato é o animal de estimação dos solitários.
Uma lágrima correu pelo seu rosto gelado e finalmente despertou em si um leve riso. Suspirou...
Eu mereço morrer. Conformou-se enquanto fechava os olhos e abria os braços. Nesse momento, o sinal indicando o fim da aula fez-se ouvir e só então os alunos, ao sair da sala, perceberam o estranho gesto do professor que permanecia com seus braços abertos num gesto de total entrega e aceitação de seu destino.
Nunca mais, nunca mais, disse o último aluno ao passar por ele e sair. Imediatamente se encheu de coragem, abriu os olhos para encarar o anjo negro e, ao menos, morrer com dignidade, mas eis que o anjo se encontrava com os braços também abertos, exatamente na mesma posição. Totalmente desajeitado o professor virou-se para a sua mesa e, colocando os óculos, voltou-se novamente para o anjo da morte, qual foi a sua surpresa ao ver que sua imaginação transformou um velho e quebrado espelho encostado na parede em um ser tão aterrorizante quanto libertador.
Sobre o autor:
           
            Edi Roque é músico, cantor e compositor com mais de 10 anos de carreira. Possui em seu currículo dois discos autorais (um deles lançado e divulgado no Japão), além de inúmeras participações em gravações de outros artistas, trilhas sonoras, jingles publicitários e produções de artistas nacionais e internacionais. Atualmente, vem desenvolvendo seu trabalho voltado à música instrumental.

Nascido em Santo André, região do Grande ABC famosa pela safra de bons artistas. Edi Roque trabalha desde 1997 suas composições com a proposta de fazer “um pouco de música sincera, feita com o coração” e o show atual mostra o resultado de toda essa dedicação, amor à música e bom gosto, captando toda a sua expressividade através de arranjos inéditos e melodias inspiradas.

Em suas apresentações atuais, Edi Roque reúne a experiência adquirida em palcos e estúdios, demonstrando todo o seu potencial sonoro, seja acompanhado por uma competente banda de apoio ou através de bases pré-gravadas (playback) em alguns workshops com menor estrutura.

 No repertório do show, músicas inéditas do novo álbum intitulado “Caminho”, definidas como “Expressive Rock”. Devido ao contexto intimista bem como seu conceito sonoro, o CD apresenta execuções que fundem lirismo e virtuosismo em arranjos totalmente originais.

Edi Roque pretende com este novo trabalho apresentar uma visão pessoal e criativa, sempre honrando suas origens, através da música instrumental.

EDI ROQUE

contatos:
(11) 9532 7426 / 8510 2316
edi.roque@hotmail.com

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