quinta-feira, 31 de março de 2011

TINHA UMA JANELA NO MEIO DO CAMINHO

Menina na janela
Salvador Dali

por Marli Pizzi

Outro dia fiquei sentada por três horas aguardando uma consulta médica. Não havia o que se fazer ali, naquele consultório comum. Na mesinha ao lado, revistas velhas com letreiros desbotados e notícias encardidas. Pessoas também comuns, murmurinhos doentes, pacientes impacientes. Nada para ler, nada para se falar.
Três horas quase perdidas, salvas por uma fração mágica de segundos. Minhas retinas tão fatigadas conseguiram captar uma imagem: uma janela. Que imagem mais comum, diriam alguns, mas como tudo é uma questão de relatividade, a janela passou a ter para mim, um valor altamente significativo. A arquitetura era  bem antiga, talvez início do século XX. Permaneci ali, centrada naquela visão. Estranho, mas parecia ser a primeira vez que via uma janela.
Como pensar no exato valor que há em uma janela? Que significado importante poderia ter uma janela na confusão doentia do dia a dia correndo lá fora?
Se para Carlos Drummond de Andrade tinha uma pedra no meio do caminho, para mim, tinha uma janela no meio do caminho.
Como ignorar uma janela? Onde há uma janela, há uma poesia grávida pronta para nascer.
Quantas coisas sentimos através de uma janela ... Por ela vimos a vida renascer todos os dias, quando deixamos  o sol entrar. Por ela damos adeus a um amor. Por ela vimos as pedras no nosso caminho. Por elas tememos a escuridão  e esperamos a mansidão da luz. Existem sonhos através das janelas. Nossa mente cansada vagueia a vida que sonhamos ter. Existem lágrimas que se colam à janela, sempre quando chega o entardecer e percebe-se que nada vem pronto na vida.
Como poesia e vida circulam na mesma veia, proponho um exercício bem fácil: sentemos à frente de uma janela e observemos a vida que corre através dela. Não importa a arquitetura da janela, ou se é feia ou bonita, velha ou nova, o importante é que esteja aberta, e que haja um pano de fundo: uma rua ... uma flor... uma pedra, ou quem sabe o trio de tudo isso. Assim, dessa forma tão simples, nascerá em algum coração um rebento de poesia.


 

Marli Pizzi nasceu em Araçatuba, interior de São Paulo, em 16/08/68 (ano de sonhos e lutas). Veio ainda muito pequena morar em Santo André, cidade do seu coração. Seu contato com as palavras foi amor à primeira vista, tendo começado a escrever ainda criança, porém perdeu todos os escritos dessa época em uma mudança.

Fez Letras pela Faculdade de Filosofia e Letras Fundação Santo André, iniciando sua carreira como professora de Língua Portuguesa em 1992, na rede estadual. Atualmente trabalha na rede municipal de Diadema, lecionando para a EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Em 2006, formou-se no curso de Pós-Graduação em Literatura, pela PUC-SP, apresentando a monografia “Álbum de retalhos – a poética da apropriação em Ana Cristina Cesar”.

Possui um blog de poesia intitulado LUA NUA (estacaopoesia.blogspot.com).
É mãe de Luene (raio de luz) e Ian ( a graça de Deus).

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