domingo, 24 de abril de 2011

Janela


Leandro Ramires Rodrigues

Hoje penso que os dias também são dos outros. Fernando mora do outro lado da rua. A casa sempre está vazia, mas há muitas pessoas passando por aqueles quartos. Quando vim morar aqui do lado da Tabacaria; seu jeito esquisito de andar, vestido todo de preto, ainda mais com aquele chapéu, não ridículo somente para quem viveu um século antes, me chamaram atenção.
Alguns anos atrás, quando precisei de um correspondente comercial para os meus negócios em língua inglesa, acabei encontrando Fernando sentado em uma mesa no fundo de uma sala. Estava lendo um livro de poesia; acho que o poeta se chamava Alberto Caeiro, mas poderia ser Álvaro de Campos ou Ricardo Reis. Admito que na época sentira certo desassossego em não compreender o poeta. Não importa, ficamos amigos e conhecer Fernando foi quase como fazer amizade com uma multidão de pessoas. Ele me ofereceu um charuto cubano, comprado na mesma Tabacaria que eu era freguês. Ainda quando aquele lugar era aberto, antes da morte do Alves; certo dia sai de lá e como por instinto virei-me e olhei para cima, estava Fernando que da janela gritou “Adeus ó Esteves” Depois que eu acenara a ele.
Não há metafísica no adeus e após a morte do dono da tabacaria, aquela janela passou a abrir cada vez menos. Lembro-me que uma das últimas vezes em que estava aberta, lá permanecia, todo de preto com o mesmo chapéu, óculos redondos, atrás uma mesa simples com uma xícara de café e uma pasta onde não pude ver direito o título. A luz iluminava o quarto deixando uma tonalidade avermelhada àquela hora da manhã, imaginara.
Hoje não existe mais janela, o existir está na certeza de que tudo um dia morrerá. Mas, enquanto ainda não morreu a língua portuguesa pude descer as escadas e encontrar Fernando na frente do que era a Tabacaria – Realmente, só tem duas datas, a que nascemos e a que morremos. Desculpou-se da presa porque precisava trabalhar. Desculpou-se do humor porque o médico o havia proibido de beber. Desculpou-se da vida porque ninguém o havia entendido. Caminhou. Olhei a frente e a tabuleta onde era a tabacaria. Vende-se.

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