domingo, 24 de abril de 2011

O lado de cá da história


Abro a porta do quarto e não consigo avançar dois passos. O chão está repleto de obstáculos. São sapatos, das mais variadas cores e modelos, que desgarrados de seus pares, transformam o chão num campo minado. Um passo desatento pode levar a uma torção no tornozelo ou mesmo a uma queda feia.
Com cuidado, vou passando por eles, tentando não tropeçar e chegar ilesa até a cama. Como se fosse possível identificá-la. Pilhas de roupas, cabides desocupados e acessórios descartados, recobrem o móvel e mal me deixam entrever a colcha com desenhos de flores azuis.
Somente por curiosidade, abro o guarda-roupa e vejo que está praticamente vazio, com exceção de umas poucas peças que foram desprezadas. Enquanto contemplo esse cenário caótico, sou tomada por uma repentina nostalgia, e penso:
“Tudo tão igual e ao mesmo tempo diferente”.
Resolvo pegar apenas a tolha molhada que disputa espaço entre as roupas amontoadas e vou até o banheiro. Quero acreditar que não é possível, mas o caos se instalou ali também. Sobre a pia, frascos e potes de cosméticos foram esquecidos abertos. O secador de cabelos ainda está na tomada e diversas escovas esperam para serem recolocadas em seus suportes. Balanço a cabeça, e consternada, apago a luz e vou para a sala.
Encontro uma princesa divinamente trajada e maquiada. A roupa está em harmonia com os sapatos e os brincos são o complemento perfeito. O rímel muito bem aplicado e o batom discreto reforçam sua beleza. Não há nada fora do lugar. Até mesmo a alegria e a expectativa que vejo em seus olhos, estão de acordo com a ocasião.
E eu penso:
“Tudo tão igual e ao mesmo tempo diferente.”
Antes de partir, ela me beija o rosto e eu recito todas as recomendações costumeiras, as quais ela ouve com um sorriso matreiro e a impaciência tão própria da juventude. Em seguida sai, deixando um rastro do seu perfume no ambiente.
Nesse momento, como já era previsto, o caos reaparece em cena e sem piedade, se aloja profundamente em mim. Sentimentos contraditórios agitam meu coração. A noite é perigosa. As armadilhas estão por toda a parte e se revelam sob diversas formas. As longas horas de espera serão um tormento. Tentando me confortar, digo a mim mesma para acreditar nos ensinamentos que lhe passei. Afinal, minha pequenina já não é mais tão pequena. Cresceu. Mas como aceitar isso, se quando olho em seu rosto, ainda visualizo aquela garotinha que erguia os braços me pedindo colo?
Para me acalmar, decido arrumar aquela bagunça que ficou esquecida no quarto e no banheiro, embora tenha jurado que não faria mais isso, e então, um pensamento se sobrepõe aos outros:
“Tudo tão igual e ao mesmo tempo muito diferente, porque agora, estou do lado de cá da história.”
Denise Perini nasceu em Santo André no dia 20 de abril de 1968. É formada em Letras. Quando tinha oito anos, ganhou de presente o livro Fábulas de Monteiro Lobato, e naquele momento, descobriu o “mundo encantado da literatura”. Depois disso, tornou-se adepta da leitura e da escrita. Percebeu, com grande prazer, que podia inventar suas próprias histórias.
Um pouco mais tarde, surgiu a paixão pelos romances. E hoje, entre outras atividades, ainda encontra tempo para fazer o que mais gosta: criar histórias divertidas, com personagens marcantes e aventureiros.

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