domingo, 24 de abril de 2011

Proibida a entrada



“Tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu (...)
A gente quer ter voz ativa
e quer no destino mandar,
mas eis que chega a roda viva
e carrega este mundo pra lá (...)”.

(Roda Viva - Chico Buarque)


O fogo foi chegando e aniquilando tudo o que estava a sua frente. As primeiras a serem queimadas (vivas) foram às pequenas e frágeis vegetações rasteiras. Elas não tinham para onde fugir e ninguém para salvá-las, pelo contrário, tinha o vento forte que parecia ter feito um pacto com o fogo, porque por todos os lados só víamos o fogo crescendo e com uma rapidez impressionante.
O fogo encontrava uma árvore aqui ou acolá, mesmo assim como um matador implacável, primeiro atingia suas folhas e depois ia tomando conta de todo tronco, antes verde e cheio de vida, agora apenas uma sombra triste do que fora. O barulho era estridente, como se estivesse atingindo todos nós que presenciávamos aquela tragédia, impotentes diante de tantas chamas e de tanta fumaça. Alguns de nós até tentamos nos aproximar, para talvez jogar um pouco de água, mas o cenário era assustador. Por todos os lados as plantas agonizavam. Estávamos atônitos. Como tanta vida em um instante podia ter sido arrasada por uma avalanche dessa? Como aconteceu? De onde tinha partido tudo aquilo? Era apenas mais um sábado tranquilo de sol e nos pegou completamente desatentos.
Um pintor veio correndo para saber o que acontecera, disse que seu trabalho tinha sido todo estragado pela fuligem. Um dia inteiro de trabalho para nada. Teria que lavar toda a parede e começar tudo de novo. Trabalho em dobro, tudo por culpa do fogo.
De repente olhei ao meu redor e vi uma multidão de desconhecidos, todos do mesmo bairro conversando e falando da calamidade. Culpavam o dono do terreno por negligência, que ele nunca aparecia por lá, que era um inconsequente, porque o fogo poderia atingir as casas vizinhas.
Os bombeiros chegaram e sem conversar com ninguém se equiparam, pularam a cerca e começaram a fazer seu trabalho o mais rápido que podiam. Levavam consigo uma espécie de vassoura grande com cerdas de borracha e sem receio algum começaram a batalha contra o fogo.
Eu estava entre os que observavam tudo e pude ver as chamas destruindo uma palmeira que, imponente teimava em continuar ali em pé. No momento, tive à impressão que era uma pessoa amarrada a um poste, inocente, sendo queimada viva, porque não concordava com todo aquele horror. Calada, sem dar um grito de dor a palmeira foi sendo sucumbida pelo fogo. Digna, permaneceu em pé.
Foi só nesse momento que me dei conta que havia uma placa enorme com o aviso “Proibido a entrada, propriedade particular”. A placa continuava ali como se pudesse conter alguma coisa. Depois fiquei pensando “Proibido a entrada”, pela gramática seria “Proibida a entrada”, mas isso não faz a menor diferença. Queria mesmo saber sobre o que era a proibição, de animais, pessoas estranhas, do sol, da chuva, do vento, da dor?  Existe um controle sobre isso?
 A primeira a invadir aquele espaço foi à vida com suas plantas de vários tipos e tamanhos. Mas o que assistimos naquele sábado foi à entrada covarde do fogo que sem pedir permissão, como um “serial killer” foi matando a queima roupa o que via pela frente. Dia triste, dia de trauma para todos nós que vimos àquela tragédia sem poder fazer nada para impedir.
Missão cumprida, os bombeiros foram embora, deixando só as cinzas. Ficou a saudade daquela vegetação tão linda e jovem que ainda tinha tanta vida e beleza para alegrar nossos olhos.
Iracema Goor

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