sábado, 4 de junho de 2011

Amigos



     Meu pai já me dizia que um homem louco não sabe reconhecer a própria casa. Faz algum tempo que acordo sozinho neste apartamento vazio, lembrando a época de minha infância. Lá em Itaquaquecetuba quando criança ouvia meus pais me perguntando se eu havia feito amizade com alguém. Nada dizia. Nossa casa possuía um vasto quintal, portão de madeira sempre trancado com um cadeado enferrujado. Não havia laje, era luxo naquela época. Hoje penso que aquela casa era o meu melhor amigo.
     Era naquele lugar que eu estava habituado em assistir televisão com meus amigos. Tudo estava em preto e branco, mas a minha imaginação se assemelhara, naqueles momentos, em um eterno arco-íris.  Era sempre antes da escola. Víamos o He Man, Os Superamigos, o Thor e tantos outros heróis que estimulavam a nossa imaginação para qualquer aventura fora da realidade dos adultos. Só não gostava quando chegava à hora do almoço ou do lanche. Minha mãe nunca oferecia nada a eles. E a resposta que ela dava era sempre a mesma.  - Deixa de besteira moleque. Eles pouco se importavam nem sequer criticava o pão durismo de minha mãe; até porque eu também não frequentava a casa de nenhum deles. Estava sempre só no meu quarto ou na sala com a minha televisão.
     No meu quarto, depois que meus amigos iam embora, me deitava no catre e olhava o reboco das paredes; parecia o rosto enrugado de uma senhora de cem anos de idade. A cama era feita de lastros de couro, não tínhamos colchão. Eu não me importava. Fitava a parede e os pequenos buracos e desvios nela se tornavam rotas de fuga para algum lugar que hoje se perdeu em minha memória. Ria. Meus pais não gostavam – Tá besta, menino!
     Não tenho irmãos, a casa era pequena, o quintal grande, a imaginação maior ainda. Então chamava meus amigos sempre depois das aulas. Hoje já não me lembro da voz de nenhum deles; acredito que nem conversávamos direito. Eles ficavam esperando o ir e vir da escola; pena que eles estudavam em escolas diferentes. Na verdade, eu duvidava que até estudassem um dia. Quando batia o sinal do recreio, era uma festa, juntava meus colegas de escola e brincávamos de policia e ladrão ou rela e ajuda. Subíamos pelas velhas carteiras postas no pátio, pulávamos o muro que dava na quadra e a correria só acabava no momento que surgiam os professores.
     Éramos pobres. Penso que foi isso o motivo das primeiras brigas de meus pais. Tirando as desavenças que foram aumentando com os anos. Tudo era perfeito se comparado a hoje que estou só e sem família. O que mais tenho saudade dessa época eram as brincadeiras de polícia e ladrão. Outro dia, algumas crianças aqui da rua brincavam, não de policia e ladrão que já está ultrapassada, mas sim de polícia e traficante. Colocavam umas tábuas velhas que no inicio pensei ser um quartel general, mas era só a favela mesmo. Os policiais tentavam invadir a boca e os traficantes procuravam defender a cocaína que era um saco de farinha de trigo, provavelmente furtado da casa de um deles. O engraçado era que a polícia sempre perdia. Me deu uma vontade louca de entrar na brincadeira, mas meus vinte e cinco não me permitira mais tais excessos.
     Depois das aulas costumava relatar as brincadeiras e os ocorridos para meus amigos, já que eles não estudavam mesmo e estavam presente sempre quando eu os chamava. O que não era raro, pois antes do divórcio de meus pais, havia diversas brigas em casa, tudo ficava tão cinza que eu me sentia sozinho, até começar trazê-los a minha casa. Concentrava-me para isso, fechava os olhos, esquecia a embriaguez de meu pai e as reclamações de mãe e quando voltava à realidade, lá estavam. No início, pensei que meus pais se importariam ou com o horário ou quantidade de garotos que dormiam lá em casa. Nada. A nossa amizade, resumia em assistir aos desenhos.
     Minha mãe quando me pegava conversando com eles dizia.  - Ficou louco Juninho! Acho que ela nunca gostava de nossos papos. Até que um dia o vizinho da casa onde minha mãe trabalhava foi parar no hospital, após quebrar uma porta de vidro. Ele havia dito. Eu tenho a força! E tome soco na porta da sala. Só sei dizer que o menino não perdeu totalmente os movimentos da mão, porque aquela família tinha muito dinheiro. O tempo foi passando e nós começávamos assistir Cavaleiros do Zodíaco. Nas nossas brincadeiras eu era sempre o Pegasus. Mamãe se irritava com isso e me perguntava sobre as garotas, pois eu já era bem crescidinho para ver desenhos. Ela acreditava que eu tinha vergonha do lugar onde morávamos, era a casa mais humilde da rua e uma das mais pobres da cidade. Eu nem me importava. Mamãe trabalhava muito e queria outra vida.
     Mamãe vivia telefonando para meu pai, não sei direito a conversa; eu chegava próximo ao telefone; ela mudava a conversa e depois me passava o fone. Meu pai era pior ainda, sempre com voz de embriagado, repetindo sempre a mesma pergunta.  - Você tá bem? Hoje todos se foram, minha mãe morreu num acidente de trabalho, bateu a cabeça ao descer pela escada da casa onde trabalhava. Meu pai desapareceu logo em seguida. Às vezes, como hoje, me levanto e volto à mente naquela velha casa onde não havia nada e ao mesmo tempo tudo.
     Foi aqui nesse apartamento que mamãe me contou sobre um menino que havia ganhado da tia uma fantasia do superman. Gostava tanto do homem de aço que no aniversário em que ganhou a fantasia, correu, vestiu e voou da janela do décimo andar. Minha mãe não gostou quando perguntei se ele havia voado bastante. Não sei o motivo, mas fora com esta conversa que meus amigos resolveram me visitar menos. Começou no dia seguinte quando minha mãe me levou até aquela mulher, não me lembro o nome dela, mas todos a chamavam de Doutora. Ela me dizia tantas coisas diferentes e inteligentes que enfadaram meus amigos. Eles eram mais crianças do que eu.




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