sábado, 4 de junho de 2011

Inajá


Denise Perini
O hotel era um dos mais sofisticados da cidade de São Paulo.  A suíte espaçosa já havia hospedado inúmeras celebridades. Tons suaves de verde e creme predominavam no ambiente. Uma grande cama com dossel trabalhado e colcha branca de matelassê dava o toque final e convidava ao repouso. No banheiro enorme, uma bancada de mármore polido, portava um sortimento de produtos para o corpo e cabelo, e ao fundo, uma banheira elevada se destacava.
Mas nem toda a beleza e conforto cativaram Inajá. Ela estava ali há duas semanas e tudo que queria era voltar para casa. Toda noite ela desprezava a cama e preferia estender sua esteira na varanda. Gostava de adormecer contemplando as estrelas. E na hora do banho, enchia a banheira com água fria e jogava as ervas aromáticas que levara consigo. Depois, mergulhava naquela água perfumada e ficava imaginando que estava se banhando na friagem do rio que cortava a aldeia em que vivia.
Inajá queria desesperadamente rever Piatã, seu pequeno filho de apenas dois anos que havia ficado aos cuidados da avó. Ela estava com saudades de casa, de sua gente e até mesmo de Jupi, o porquinho do mato que ela havia adotado depois que o encontrara perdido na floresta. Ao pensar nele, um sorriso iluminou seu semblante triste. Afinal, sem querer, Jupi foi o responsável por ela estar longe de todos que amava.
No dia em que aquele homem com sua máquina fotográfica apareceram na aldeia, Inajá vivia a tranquilidade costumeira de sua rotina. Trabalhava em seus afazeres domésticos, cuidava de seu filho e também de Jupi. O pobrezinho estava faminto e por isso ela o amamentava em seu peito como fazia com Piatã quando ele estava com fome. O homem achou aquela cena inusitada e fotografou. Sem que Inajá se desse conta, ela ficou famosa. O homem da máquina voltou à aldeia e a convidou para ir à cidade grande ensinar ao seu povo a cuidar da natureza. Disse que se ela aceitasse, ganharia muito dinheiro e poderia ajudar a sua tribo a melhorar de vida. Inajá não conhecia os costumes dos homens da cidade, mas aceitou fazer aquela viagem em troca de poder ajudar a sua aldeia. Só não esperava que fosse demorar tanto para retornar ao seu lar.
Ela já havia posado para fotos, concedido entrevistas, as quais não entendia quase nada do que lhe perguntavam e desconfiava que eles também não entendiam o que ela lhes respondia. Inajá não compreendia por que aquelas pessoas achavam estranho ela amamentar um porquinho. Aquilo era natural em sua tribo: cuidar da natureza e ser cuidado por ela.
Antes de chegar à cidade, Inajá achava que todos os povos eram como os de sua tribo, mas desde que chegara ali, percebera o quanto estava errada. Ela não conseguia se conformar com tanta maldade e descaso.  Já havia visto animais abandonados nas ruas, magros e sujos, revirando sacos de lixo à procura de alimentos, rios imundos e fedorentos, tão diferentes daqueles da sua terra. Na televisão, que aprendera a usar há poucos dias, viu com horror, mulheres abandonarem seus filhos recém-nascidos nas mais diversas situações.
Sentada no jardim do hotel, lugar em que mais gostava de ficar, Inajá refletia sobre toda aquela situação. E se deu conta de que não havia nada que pudesse ensinar para aquela gente tão desprovida de carinho, respeito e senso de comunidade. Ela só queria voltar para casa. Para se distrair um pouco, resolveu folhear a revista que um atendente do hotel havia lhe dado. Ficou espantada ao ver a fotografia em que ela aparecia amamentando Jupi, e logo abaixo, várias outras fotos de sua tribo. Ela não sabia ler o que estava escrito e por isso pediu a um funcionário que lesse para ela.
Inajá ficou decepcionada ao perceber que foi enganada. Na verdade, não queriam que ela ensinasse coisa alguma aos homens brancos, mas a fizeram participar de uma campanha publicitária que colocava a sua tribo como ponto turístico. Ao entender o significado daquilo, ela sentiu um misto de raiva e tristeza ao imaginar aquelas pessoas sem educação invadindo a paz de sua aldeia, sujando as águas de seus rios e desrespeitando as crenças de seu povo. Ela sentia-se impotente diante daquela atrocidade, porque em seu coração, sabia que não havia nada que pudesse fazer.
Quando Inajá finalmente voltou para casa, abraçou seu filho como se nunca mais fosse soltá-lo, todo o amor e saudade transbordavam daquele abraço. E ela chorou ao descobrir que Jupi havia morrido. O coitadinho era muito pequeno para se alimentar sozinho e não conseguiu sobreviver sem o leite dela. Inajá contou à sua gente o que havia acontecido. E antes que os homens da cidade chegassem, eles resolveram se mudar para outro local da floresta. Mas sabiam que aquela era uma atitude paliativa. Seria apenas uma questão de tempo até que os homens brancos maculassem novamente a serenidade de toda a tribo.

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