sábado, 4 de junho de 2011

O professor


Leandro Ramires Rodrigues

     Sexta-feira, já passa da meia noite. Não vai demorar muito. Poucas pessoas no mundo possui a paciência e a destreza necessária para que eu faço. A primeira vez foi uma libertação; os jornais noticiaram o fato, mas logo esqueceram, como toda violência nesta sociedade. Vejo o ônibus parando no ponto da D Pedro I, logo depois de cruzar a Capitão. Minha pesquisa estava correta, lá vem ele. Ligo o motor do carro.

     Hoje não trabalho. Minhas aulas vão até quinta-feira de manhã e isso me consome a alma. Lavei o carro, retirei a placa original e coloquei a falsa que eu havia comprado em um desmanche de carros roubados. Contato neste mundo é tudo. Moro sozinho em um apartamento velho no centro da cidade. Quando resolvi ser artista; entendi que deveria comprar um carro apropriado, somente para esse uso. Meu pai não dirige, então deixo o gol vermelho na garagem dele, em Camilópolis. Ainda hoje pela manhã meu pai me perguntou como eu fazia para lidar com tanta bagunça na sala de aula. A gente sempre cria um escape.

     Gosto de conversar com o velho porque ele não sabe nada. Havia me perguntado se eu me preocupava com a polícia que poderia me parar devido ao insulfilme que eu coloquei no carro. Nada disse. Quando o velho saiu para o boteco, aproveitei para lubrificar o trinta e oito cromado que eu tinha comprado na Ilha. Como eu disse, contato é tudo. Informação também. Neste meu serviço, é necessário muita pesquisa; por isso passei mais de um ano me informando a respeito daquele aluno, lugar onde mora, tipo de gosto, baladas que frequenta, facebook, orkut e por aí vai. Também mandei vários currículos para poder sair agora no meio do ano, daquele colégio particular. Tudo que consegui foi aumentar minha carga horária no Estado. Sai. Minha arte só pode ser executada duas vezes ao ano, no máximo. No geral demoro mais, eu fico irritado, mas fazer o quê? A arte não admite falhas.

     À tarde, resolvo tomar um banho bem quente. É inverno, preciso manter a alma limpa, penso nas férias daqui uma semana. Revejo todas as informações a respeito do aluno. Também tenho que contar com a sorte. No inicio da noite; passo com o carro no meu destino várias vezes, o revólver, deixei em casa. Se eu levar uma geral, não vão me prender por porte de arma ilegal. Ele está lá. No ponto, provavelmente vai para Figueiras encher a cara. O que de certa forma facilitará todo o trabalho. Deixo o carro em um estacionamento no centro e faço uma turnê pela Figueiras. De um orelhão telefono para o celular dele. Barulho. Conseguir esse número não foi fácil. Esse cara é um desses bostas de aluno que além de não fazer nada, fica na sala conversando e rindo alto. Certo dia me disse que ele pagava o meu salário, outro dia o diretor disse a mesma coisa; aguentei um pouco, ainda não tinha concluído minha pesquisa. A representação também é uma arte. Primeiro, a gente abre um orkut para adicionar os alunos, depois um facebook, até que a presa cai. Nesse meio, se o telefone não veio através do próprio aluno, sempre tem outro que passa.

      Nada respondi quando ele disse alô, estava identificando o som, o lugar que ele se encontrava. Tudo indica que é o Mezzanine. Adolescente do ensino médio adora esse lugar, principalmente os do terceiro ano. Coloco a toca da blusa, fico em um lugar discreto até que vejo o rapaz saindo, pelo jeito que anda está embriagado. Corro até o estacionamento e busco o meu carro. Se ele tivesse um carro ou os pais o buscassem, então seria muito difícil terminar meu trabalho; teria que esperar outra oportunidade. O cálculo nestas horas é importante.

     Chego primeiro. Se ele não parar em nenhum lugar, daqui alguns minutos, desce do ônibus.  Ele deve pegar o último. Só me faltava o infeliz voltar de taxi... Resolvo abrir a garrafa térmica com o chocolate quente que sempre trago quando resolvo trabalhar até mais tarde. É o ônibus. Lá vem ele. Ótimo, está sozinho! Ligo o motor para facilitar, coloco a garrafa do lado e visto as lufas. Aumento o volume do som, Carmina Burana, aprendi a gostar de música clássica escutando o Schizophrenia do Sepultura.

     Oi professor, O que faz aqui uma hora dessas, fala com um voz de bêbado. Cobrar a lição de casa. Puxo o trinta e oito e atiro no meio de sua testa. Retiro rapidamente o tênis do moleque, celular e carteira. Jogo tudo dentro do carro e vou embora, deixando o corpo jogado na calçada. Levou apenas um minuto. Estou melhorando, o outro havia levado sessenta e cinco segundos. Quando chegar em casa, vou quebrar o celular e queimar a carteira junto com o dinheiro e os documentos. Já o tênis posso guardar por uns dias antes de entregar a qualquer mendigo da Praça do Carmo. Penso que da próxima vez será uma aluna. Quem será? Eu sai da escola mas tenho certeza que na segunda-feira, os professores estarão chocados com a morte e, mesmo assim, alguns comentarão que foi uma benção. Olho do lado e me aborreço; esqueci a garrafa térmica aberta. O chocolate esfriou.
   

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